Desenredo


Por Ana Roman

 

Museus e coleções de arte têm histórias para além daquelas que se inscrevem nos trabalhos em si. Conta-se, por exemplo, que o Hermitage, maior museu da Rússia, foi esvaziado às pressas durante a Segunda Guerra Mundial. Foram registrados, em fotografias da época, somente molduras apoiadas pelas paredes do espaço físico da instituição. Em uma perspectiva anímica, poderíamos afirmar que essa aventura foi incorporada à memória destas obras.

Desenredo é uma instalação que reúne fotografias realizadas por Isis Gasparini ao longo dos anos 2014 e 2023. Nelas, identifica-se um dos principais núcleos de interesse da artista: o espaço museológico, seus dispositivos expográficos e a maneira pela qual o olhar [e o corpo] do espectador são mobilizados nas exposições. Gasparini interroga-se sobre quais são as coreografias possíveis para os corpos nestes espaços.

Ao mergulhar em seu acervo pessoal e contatar diversos colecionadores para compor esta retrospectiva, ela se deparou com a ação do tempo sobre a superfície de alguns dos trabalhos e com falta de informação sobre o paradeiro de outros. Na mostra, o visitante encontra obras cobertas por um fino tecido, outras estão contra a parede ou são apenas silhuetas retangulares: elas não deixaram de ser as imagens captadas pela artista, mas guardam, em sua camada mais exterior, a marca que rememora sua circulação. As imagens persistem como fantasmas e coreografam outras visualidades.

Nesta mostra, Isis nos questiona sobre as convenções predominantes para a apresentação da fotografia. Em Desenredo, o espectador é convidado a se movimentar diante da constelação de imagens: não há uma única forma de vê-las, nem existe uma hierarquia. Nesta montagem, a artista faz referência à ideia de democracia visual de Wolfgang Tillmans: cada espectador é convidado a criar uma notação que guiará a sua experiência entre os trabalhos.