Esconder para revelar, revelar para esconder


Por Pollyana Quintella

Há mais de vinte e uma mil imagens aqui, mas vemos pouco ou quase nada. Logo na entrada, um primeiro sólido nos inquieta. Não podemos manipulá-lo nem acessar seu interior, uma vez que foi encadernado em todos os seus lados. Vislumbramos apenas algumas pistas de seu conteúdo devido ao corte longitudinal que o divide em duas partes, e dá a ver as mais de 500 folhas sobrepostas em variações de cinza. Trata-se de uma seleção de imagens captadas por Isis Gasparini entre 2010 e 2020, entre registros, anotações visuais e fotografias consideradas “finais”, já expostas em outras ocasiões. Para os familiarizados com a pesquisa da artista, é possível imaginar do que sejam compostas essas imagens: espaços museológicos fragmentados e enigmáticos, lentes e olhares inconformados e dissonantes, rastros de luz que velam e revelam, negociações entre encenação e exibição. Não importa, porém, o quanto você se esforce para idealizá-las — o valor absoluto de cada uma delas pouco importa, o que se afirma é um gesto repetido à exaustão. O índice fotográfico assume a forma de arquivo morto para reivindicar-se enquanto corpo presente. E o corte, espécie de ferida, fratura e fenda, suspende o arquivo de qualquer fantasia totalitária ou fetiche de visão plena. Se TODO/FRAÇÃO tivesse um recado, talvez fosse o de que as imagens não representam coisa alguma, antes anseiam ter agência própria.

Mais adiante, os blocos multiplicam-se. Um para o arquivo inteiro; outros, tombados, compõem em sua borda uma imagem arrastada, fruto do acúmulo. Seus volumes e espessuras manifestam um acontecimento temporal. Não falamos da imagem-tempo da duração cinematográfica, mas de um empilhamento vertical feito um corpo que aos poucos se ergue, dia após dia. Tal qual a banalidade do clique, seria possível imaginá-los como colunas infinitas, rumo a superar os limites territoriais do mundo. Ou como naquele conto de Borges, cujos mapas eram tão grandes quanto o espaço que representavam, o empilhamento aqui faz a imagem querer coincidir com o real.

Enquanto isso, sobre os recortes de tecidos, a luz pulsante promete apresentar uma imagem que nunca entrega. Ela nubla nossos olhos, pois o foco não se estabelece. Nos aproximamos de uma experiência de pós-imagem: aquilo que continua a aparecer na visão após a exibição original já ter cessado. Ou, ao contrário, algo que jamais se formou, que ainda não encontrou forças para se definir. Curiosamente, a impossibilidade de ver nos faz insistir diante do vídeo. Talvez porque, neste jogo entre constituir e desconstituir, nos reste a sensação de que estamos na iminência de uma imagem nova, uma imagem por vir.

Eis um procedimento caro à Gasparini: afirmar que o exercício de ver e dar a ver implica que algo escape às transparências, luminosidades e visões plenas. Mesmo por isso, suas imagens não são objetos da visão, mas um gesto que busca a possibilidade de uma relação, a do nosso olhar com um mundo visível. E se temos nos mantido continuamente de olhos abertos, fazendo da visão uma ação ininterrupta e, portanto, um tanto anestesiada, a artista nos ensina que é preciso fechá-los um pouco, no desejo de limpar as imagens de seus escombros; limpá-las de seus clichês.